julho 24, 2014

Cartas para...uma lacuna em branco



Rita,

Acho que ninguém me conhece tão bem como você, que conhece todos os meus problemas e sabe tudo o que acontece na minha casa. Esta carta é mais um desabafo de quem está longe e não tem outro meio de comunicação, porque tiraram todas as formas de se ter contato com o passado. As coisas aqui não estão bem e eu estou bastante machucada com as coisas que ando descobrindo do meu pai. Não bastasse eu não ter a presença dele, desde que nasci, fiquei sabendo que "eu não sou problema dele". Isso mesmo. Ele lava as mãos em relação a mim. Não sei como ele dorme com a cabeça tranquila no travesseiro sabendo que não temos quase o que comer. Por causa dele minha mãe abriu mão de tudo o que tinha, apenas para ele viver no conforto com a nova mulher. 

No melhor momento da minha vida ele simplesmente manda parar! Sair do colégio nesse momento me desestrutura. Lembra como foi quando entrei nele, o quanto foi difícil a adaptação? E segundo meu pai eu posso ficar sem estudar que não serei mais uma analfabeta. Isso machuca. Trocar de colégio logo agora é muito estranho. Não que seja estranho estudar em colégio público, mas eu estava completamente integrada a uma turma, amiga de todos e com o melhor dos momentos acontecendo. 

Tenho ligado para ele todos os dias para ouvir da boca dele tudo que me contaram, mas ele tem rejeitado minhas ligações. Ultimamente tem colocado a dita cuja atual para falar comigo e como ela é grossa! Hoje mesmo ela falou que eu deveria ter pena dele e parar de ficar ligando e mendigando. MENDIGANDO. Um direito meu, sabe? Ao desligar (na verdade, ela desligou na minha cara), fiquei pensando em como tudo que fiz até hoje foi mendigar para ele. Mendigar atenção, ficar rastejando um pouco do amor dele, um pouco da atenção, do tempo...mas nunca do dinheiro. E tem aquilo: se atenção não ganho, será que o dinheiro compensa? Até hoje compensou de alguma forma, mas nem isso tenho mais. Afeto nunca tive, era uma transação comercial. 

Acredito que isso de alguma forma me afeta na forma como lido com os meninos. Deve ser por isso que tenho sempre um pé atrás e deve ser por isso que insisto em qualquer resquício que seja da atenção. Eu também mendigo amor. Tenho ciência disso e pode ser que agora, com 15 anos, eu venha a mudar esse comportamento. Sei que sou autossuficiente em muitos aspectos, principalmente o emocional, mas ainda não encontrei o equilíbrio necessário para controlar isso. Ou eu sou fria demais ou eu chego marcando em cima, insistentemente. 

Sei que esses foras por meio do telefone tem me causado umas novas feridas e tenho medo das sequelas que elas podem deixar. Não quero pensar nisso, mas é fato. Imagina o dia em que eu tiver que ligar para algum garoto e ele fugir de mim, tal qual meu pai faz? Há um espaço em branco em relação ao amor paternal, uma proteção masculina. Minha mãe diz que isso é balela, que ela deu todo o amor necessário, firme ou não. É bem verdade isso, mas também sinto uma falta de afeto por parte dela e não sei dizer por quê. 

Não sei como controlar o que sinto e a cada fora que a vida me dá, mais eu me protejo. Ando construindo muros a minha volta. A parte chata é que eu só deixo passar desse muro quem eu quero e para sair é aquele drama. Nesse momento minha vida poderia ser uma novela mexicana, onde a mocinha abandonada pelo pai vai em busca de algum propósito na vida. Como sufre mi herido corazón.

Beijos
Lili





Priscilla
Priscilla

Mãe, esposa, jornalista e dona de casa. Adora cuidar do lar, de música e gatos. Aquela dos olhos coloridos.

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