Durante nove anos, a APLV (alergia à proteína do leite de vaca) fez parte da minha rotina como mãe. Quem me acompanha nas redes sabe que minha cozinha era totalmente adaptada, meus conteúdo era de receitas sem leite e a vida aqui em casa girava em torno de cuidados, rótulos e muita atenção. Hoje, escrevo este texto para contar algo que sempre sonhei registrar: meus filhos superaram a APLV.
É um marco, um fechamento de ciclo, mas também um convite para você, mãe de alérgico, respirar com mais calma e lembrar que seu esforço tem valor.
A APLV foi um desafio que chegou cedo. Entre reações, consultas, dermatites, noites mal dormidas e pequenas inseguranças acumuladas, nossa família precisou adaptar absolutamente tudo. Por muito tempo, eu vivia no “modo alerta”. Ler rótulos virou hábito. Carregar marmitinha para festas virou rotina. Planejar cada refeição virou parte da minha identidade como mãe.
E, como toda mãe de alérgico sabe, existe todo um cuidado que ninguém vê. É a tensão antes de um aniversário, o medo de uma contaminação mínima, a velocidade com que o coração acelera ao ver uma manchinha na pele. É cansativo e, ao mesmo tempo, inevitável.
Conciliar trabalho, casa, maternidade e APLV é um nível diferente de organização. No meu caso, isso influenciava até o jeito que eu criava conteúdo. Muitas das minhas receitas eram pensadas a partir dessa restrição. Eu compartilhava adaptações, alternativas, estratégias e tudo aquilo que ajudava outras mães a viver com mais leveza. O mercado ainda não tinha tantas opções e quando encontrava era tudo muito caro.
Com o crescimento da indústria vegana, hoje temos muito mais opções. Mas eu sou de um tempo que era raro encontrar substitutos sem leite, então eu precisei inventar, me reinventar. Ainda assim, por trás da tela, existia uma mulher exausta tentando dar conta de tudo. A APLV moldou nossa rotina, mas também moldou minha força. E enquanto muita gente via apenas “mais uma mãe que não dá leite”, quem vive isso entende que existe uma história muito maior por trás.
Quando a primeira mudança apareceu
Depois de anos estabilizando a rotina, chegou o momento em que a equipe médica que acompanha meus filhos sugeriu iniciar uma reintrodução gradual. Foi em 2020 a primeira vez. Estava tudo indo bem no TPO, mas estourou a pandemia e precisamos regredir, porque se houvesse uma reação não poderíamos ir na emergência em pleno surto de COVID-19.

Depois, quando fiz o teste do TPO novamente, eles acabaram reagindo e precisamos estabilizar primeiro antes de tentar. Mas esse ano, 2025, resolvemos tentar movidos pela esperança. Minha melhor amiga também tinha uma filha alérgica como o meu (talvez até mais grave) e eles tem uma diferença mínima de idade. A filha dela se curou!
Foi então que movidos pela coragem e determinação, decidimos que era hora de voltar a tentar. Confesso que meu primeiro sentimento foi medo. Só quem vive a alergia alimentar entende o peso emocional de dar o “proibido”, mesmo em quantidades mínimas. Mas decidimos tentar. Com tudo documentado, com orientação, com calma. E, aos poucos, pequenas vitórias começaram a surgir.
Quantidades que antes causavam reação passaram despercebidas. Pequenos marcos que traziam uma mistura de esperança e cautela. Eu acompanhava cada detalhe, pronta para recuar, mas torcendo para avançar.
O processo de reintrodução e o acompanhamento médico
A reintrodução foi feita em etapas, com tempos de observação e ajustes. Não foi rápido. Não foi fácil. Mas foi constante. A cada fase concluída, meu coração acelerava. E, sinceramente, eu demorei a acreditar que estava dando certo. Mãe de alérgico cria defesas emocionais. A gente se acostuma tanto com a restrição que o “liberado” parece perigoso demais.
Todo o processo foi feito dentro do consultório, totalmente preparado para qualquer intercorrência. Ficávamos lá umas 3h. Depois 2h. Depois 1h. Depois era com a gente em casa.
Mas o corpo deles mostrou tolerância, adaptação e força. O que antes gerava reações passou a ser recebido como qualquer outro alimento. Primeiro um biscoito, depois outro...até que veio iogurte, Yakult e fomos avançando. 1g de proteína, 2g de proteína...de 2g a 3g eu comecei a variar as opções e comecei a ler rótulos para entender a dosagem e oferecer mais itens.
Então fomos de 2,5g a 3,5g. Quando contei para a alergista que estávamos avançando bem ela falou: traga o leite que ele beberá aqui. E assim foi. De uma vez ele bebeu um copo de 100ml e não reagiu. Pela primeira vez vi meu filho não empolar, não ter choque anafilático. E minha filha, que era não-mediada, não teve sintomas de pele, respiratórios e gastrointestinais. Parecia um milagre! Em abril ela havia tido reação ao comer biscoito. Em agosto não.
Em 2024 meu filho teve reação alérgica por inalar o whey protein que meu marido abriu sem querer na presença dele. Em 2025, ele bebeu e não teve nada.
Depois de semanas de testes e acompanhamento, os profissionais da saúde apontaram o que eu nunca imaginei realmente ouvir: “Eles estão tolerando completamente", "eles estão curados".
Como está nossa vida depois da APLV
A ficha demorou a cair, mas eu chorei. Chorei quando comprei o primeiro produto com leite e coloquei na sacola sabendo que eles poderiam comer. Chorei vendo eles comerem em um restaurante sem precisar fazer perguntas ao garçom sobre ingredientes. Chorei quando viajamos despreocupados sobre a comida do local. Chorei na festa de aniversário com bolo com leite. Chorei no lanche coletivo da escola (agora com tudo permitido pra eles).
É uma sensação difícil de explicar. Um alívio profundo, acompanhado de gratidão, medo e felicidade. Depois de anos organizando a vida inteira ao redor da alergia, algo mudou. A mochila invisível que eu carregava finalmente ficou mais leve.
As primeiras vezes que saímos para comer fora sem aplicativos, sem cardápios paralelos e sem rótulos foram quase surreais. Eu ficava procurando motivo para desconfiar, esperando alguma reação, mas nada acontecia. A primeira festa sem marmitinha foi emocionante. A primeira compra sem separar duas listas foi libertadora.
E a primeira receita tradicional que fiz para a família inteira teve gosto de vitória. Eu pedi que minha mãe fizesse a lasanha dela (a minha favorita) para que eles pudessem comer pela primeira vez!
Hoje, viver sem a APLV não significa esquecer tudo o que passamos. Significa respeitar nossa história enquanto celebramos o novo capítulo.
Uma mensagem de esperança para as mães que estão vivendo a APLV agora
Se você chegou a este texto porque está pesquisando sobre APLV, reintrodução, cura ou sintomas…eu quero falar com você.
Eu sei que é cansativo.
Eu sei que, às vezes, parece que essa fase nunca vai terminar.
Eu sei o quanto você planeja, revisa, confere e tenta prever riscos que ninguém percebe.
Mas deixe essa mensagem entrar: a maioria das crianças supera a alergia.
Mesmo quando parece impossível, existe evolução acontecendo.
Seu cuidado faz diferença.
Sua atenção salva.
Seu esforço constrói o caminho da tolerância.
Você não está sozinha nessa jornada.
Seu filho vai crescer, o corpo vai amadurecer, as fases vão mudar e o capítulo da alergia pode, sim, se fechar.
Uma nova fase
Essa notícia marca um recomeço para minha família e, de certa forma, para mim também.
Quero voltar a compartilhar nossa vida real, minhas receitas, organização, rotina de mãe que trabalha fora e tudo aquilo que faz sentido nesse momento. A APLV fez parte da nossa história, mas não é mais tudo o que somos.
E eu quero dividir esse novo ciclo com quem sempre esteve comigo, crescendo junto, aprendendo junto, vivendo junto.
Vem comigo?





