Nunca pensei em escrever o que vou escrever. Nunca mesmo. É difícil pra mim, mas vamos lá.
Desde criança sempre fui muito querida pelos amigos, era tida por eles como a bonequinha, a menininha, a intocável. Por mais que eu fosse sonsa, nunca me peitaram, nunca me desrespeitaram e crescemos sabendo lidar uns com os outros. Nos aturamos apesar dos incontáveis defeitos.
Depois que fui pra Petrópolis e me vi distante de todo o meu mundo, eu sofri. Calada, mas sofri. E sofri bullying em um tempo que ninguém falava disso, o nome era apenas rejeição. Me senti sozinha muitas vezes e quando me reergui por minha conta e do meu jeito, voltam meus amigos e me mostram que tudo está bem. Perdemos contato algumas vezes, mas eles sempre estavam ali, mandando cartas (sim, e-mail era desconhecido) e ligando.
Foi uma das épocas mais divertidas que passei! Apesar da distância, eles davam um jeito de ir até mim (dinheiro elimina barreiras, fikdik). E foi assim que ela passou a estar mais em minha vida. Nos momentos solitários e de dúvida em minha adolescência ela estava comigo e desde então nunca me abandonou.
Dançou comigo, brincou comigo, fez trilha comigo, foi a boates comigo, tomou porre comigo, chorou comigo, brigou comigo, desbravamos o mundo juntas, defendemos uma a outra como leoas e criamos uma cumplicidade que mesmo de longe sabíamos o que a outra estava passando.
Quando, novamente, em Petrópolis passei por um perrengue com "amigos" locais, acabei descontando nela. Nossas brigas, no entanto, nunca afetaram a amizade. Ela me entendia, ela me previa, por mais que eu fosse imprevisível. Ela estava ali, mesmo quando eu a chutava, brigava e ignorava. E quando mais precisei e me senti sozinha novamente, lá estava ela, movendo o mundo pra me fazer feliz. E fez. Me tirou da merda que eu tava, me tirou da tristeza profunda que eu me encontrava e me mostrou, de novo, o que é amizade e o que ela é capaz de fazer.
E desde então viramos irmãs, de se falar todo dia, mesmo que seja em troca de e-mails. Passamos relatórios de nossas vidas uma para a outra e criamos uma família oriunda de nosso grupo de amigos.
Mas a vida adulta é mesmo imprevisível e essa ninguém controla. Até o ensino médio tínhamos maté alguns dias da semana para ver a outra, além dos fins de semana. Mas com a faculdade tudo muda. Minha nega é cabeçuda e passou pra Medicina. Até o 2º período foi oba-oba e com o carro e/ou ponte aérea ela vinha e nos divertíamos em tantas noitadas, micaretas e churrascos que nem parecia que ela estava em Belo Horizonte e eu em Petrópolis. Mas depois a vida cobra e nós tivemos que nos dedicar a faculdade. Apenas quando eu quebrei e virei cinza ela voltou. E passou a dedicar os fins de semana, feriados e férias da faculdade para ficar comigo e foi nesse tempo que a nossa família se fortaleceu.
Depois, digo que ela me deixou seguir com minhas próprias pernas. Já forte o suficiente para bater de frente com qualquer um que quisesse me deixar mal. E eu conseguia. E consigo muitas vezes com o apoio dela. O modo caguei de ser devo muito a ela.
Enfim, ela se formou, ela se mudou pra outro país e casou. Metade do nosso grupo foi com ela, uma vez que era uma família literalmente. Namorado, primos, namorada do primo...foi todo mundo. Quem ficou por aqui se distanciou, mas ela não. Mesmo lá longe se mantia presente. Dizia que fez Twitter só pra não perder contato e Facebook idem. E se não fosse por isso estaríamos muito ausentes da vida da outra. Os emails ficaram escassos e o tempo também.
Ter amigo médico é assinar atestado de ausência. Com a especialização ela passou a sumir cada vez mais e há uns dias eu recebi a notícia que me deixaria tão mal, mas tão mal que ainda tô encontrando forças pra absorver. Ela mudaria novamente de cidade por conta do trabalho do marido e como conciliaria com o fim da especialização, ela iria com ele se dedicando exclusivamente a família. Ele, que era tão tranquilo, passou a encrencar com coisas da internet e a decisão dela de se deletar da vida virtual para não prejudicar a carreira dela e o casamento me tirou o chão.
Pode soar bobo, mas a pessoa que mais me ajudou e ajuda, que mesmo sem eu chamar vem e me defende de tudo, sem que eu precise dizer um ai, vai ficar longe de vez. Dessa vez sem contato nenhum. No interior de um estado em outro país!
Sei que amizade que é amizade não acaba com o tempo e nem a distância, mas pra quem acostumou com o convívio diário, anos e anos ali do lado...saber que isso não será mais possível é difícil. Deixei de ter convívio com muitas amigas, uma vez que cada uma foi morar em um lugar e as que estão no Rio ou estão muito ocupadas ou nosso horário não bate (vida adulta complicada). Além das que ficaram em Petrópolis, mas que em um fim de semana não é possível encontrar todas. Não sei se essa tristeza toda é porque estou enxergando que todas as minhas garotas estão cada vez mais longe de mim e tudo aquilo que vivemos ficará apenas no passado, guardado no coração.
Queria a realidade, a proximidade, aquele fuzuê na casa da outra, das ligações, das atitudes cúmplices.
Minha nega vai viver a vida dela e deixar pra trás nossa história. Não sei se tô pronta pra me “livrar“ de alguém que está comigo há tantos anos...
É como se a vida me dissesse que tá na hora de eu seguir com minhas pernas tudo o que aprendi, que a força que ela me deu já está dentro de mim. É como se a missão dela tivesse sido cumprida, logo agora em que eu também vou fechar uma etapa em minha vida e iniciar outra tão feliz quanto a dela, profissional e emocionalmente.
Passou um filme na minha cabeça. Tô chorando tanto escrevendo isso. Não sei se tô pronta pra deixá-la ir. Mas é isso. É a vida. É a história dela e na minha ela sempre estará, de alguma forma estará.
Obrigada, Tuca. Obrigada por todos esses anos de convivência comigo, por ser minha defensora incontestável, por sempre estar quando eu preciso, por me valorizar em tudo, por ser amiga no sentido mais puro e verdadeiro da amizade. Você sou eu, eu sou você. A gente se entende, a gente se defende, a gente tá junto de coração e de alma. Obrigada por ser você. Obrigada por ter sido você em todos os momentos.
Apenas, obrigada. Te amo e estou aqui sempre. Sei que você também estará sempre que eu precisar.
Bêgos.